Era uma vez uma menininha muito meiga, muito doce. Obediente e ordeira. Quieta e calada. Falava apenas quando se sentia bem, e no seu ambiente. Caso contrário o mutismo era a escolha. Tinha uma fé inabalável na sabedoria de seus pais. E na do seu irmão. Seu herói. Cresceu convicta de que o mundo era feito de pessoas lindas, ricas e corretas. Nada abalava sua crença de que, se algo saísse errado, a culpa só podia ser dela. O mais incrível é que ninguém disse a ela que não havia culpa. Menos ainda dela. A menininha cresceu. Seu herói transformou-se num homem comum. Com todos os atributos de um homem comum. O mundo não é tão belo, nem tão rico, menos ainda correto. Ela percebeu que não tinha culpas, mas era parte importante nos acontecimentos. Seu destino foi diferente daquele que previu um dia. Alguns de seus desejos se concretizaram. Outros não. A menininha meiga e doce transformou-se numa mulher meiga e dura, doce e amarga. Ainda obediente, mas não cega. Ordeira no que deve ser ordenado. Quieta e calada. Sua voz só é ouvida por quem tem ouvidos para ouvir. O resto do que diz são pérolas. Joga-as ao vento. Não importa a fortuna que joga fora. Tem pérolas infindáveis. Este é seu tesouro. Alguns sabem. Outros intuem. E ela segue sua trilha. Sem desvios. Sem muitos atalhos. Já ouviu que é muito certinha. Ainda não descobriu o que é ser certinha, mas sabe tudo sobre o que é ser errada. Tem algumas certezas que amanhã podem ser transformadas em dúvidas. Ama com a mesma facilidade com que se deixa magoar. O amor não passa. A mágoa fica. Seus olhos são brilhantes e seu sorriso é aberto. Não olha para trás, não tenta desvendar o que está à frente. Vive o seu dia. No dia-a-dia. Aprendeu que o que está por trás de portas fechadas é lá que deve ficar. Portas que são abertas podem desvendar caminhos para a liberdade. Mas podem deixar entrar coisas que aprisionam. Não tem medo delas. Nem de sair. Nem do que pode entrar. Está preparada para tudo. Ou quase tudo. Não sabe para o que não está preparada. Quando chegar, saberá. Tem dúvidas quanto aos amigos que tem. Não tem dúvidas da amiga que é. Mas não sabe como é. Sabe como pensa ser. Tem vontades, verdades e impedimentos. Tem saudades, bloqueios e sentimentos. Era uma vez uma menininha meiga e doce... que se transformou numa mulher. Igualzinha a todas as outras que também eram uma vez...
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